Por Rev. Adilson Lordêlo
Dentre os fenômenos religiosos e terminologias consideradas
por alguns historiadores, como relativamente recentes no seio do protestantismo
brasileiro, há um termo que chama atenção para um grupo, os desigrejados. A
palavra tem relação estreita com o conceito romanista de católicos não
praticantes e sinaliza a existência de pessoas, que embora tenham sido criadas
em igrejas protestantes históricas, afastaram-se do convívio religioso e vivem
como crentes nominais.
O objetivo principal do presente editorial é discorrer
sobre o valor histórico de alguns princípios protestantes fundamentais para a
preservação da identidade religiosa. Glaucilia Perrucci em opúsculo onde
discorre acerca de alguns valores que considera importantes para a continuidade
do compromisso religioso, enumera três, que são: “1-) Frequência assídua à
escola dominical; 2-) oportunidade de estudo em escola evangélica; 3-) culto
doméstico” (PERRUCCI, 1998). Os princípios estabelecidos por Glaucilia em sua
pesquisa, quando observados, são de suma importância para a preservação da
fidelidade a identidade cristã. A escola dominical presbiteriana, que cumpre o
papel da educação no âmbito extraescolar, tem sido objeto de pesquisas entre
alguns educadores, que tem revelado em suas analises, a eficácia do seu ensino,
tanto na emancipação e desenvolvimento intelectual dos alunos, quanto na
preservação da identidade religiosa. Em artigo da revista da FAEEBA – Vinculada
ao PPGDUC – Programa de Mestrado e Doutorado em Educação e Contemporaneidade da
UNEB, cujo tema é: “A Escola Dominical Presbiteriana: Disseminação de Saberes e
Práticas”, Ester Fraga e Nicole Bertinatt, revelam a consciência dos primeiros
missionários acerca da necessidade do estabelecimento das escolas dominicais,
bem como seus resultados para o reino de Deus: “Logo que Simonton chegou ao
Brasil percebeu a importância de uma estratégica educacional e, um ano após sua
chegada, em abril de 1860, criou, no Rio de Janeiro, a primeira Escola
Dominical Presbiteriana do Brasil. Em sua própria casa, Simonton contou com a
presença de cinco crianças e utilizou a Bíblia, o Catecismo e o livro o
Peregrino [...] Os resultados aqui reunidos apresentam a Escola Dominical como
uma prática pedagógica, cujo principal objetivo era ensinar a doutrina
protestante por meio da Bíblia. As Escolas Dominicais foram um dos mais
eficazes meios de disseminação do Protestantismo no Brasil [...] A Escola
Dominical era idealizada como uma instituição imprescindível à igreja,
existindo para levar melhor instrução ao povo sobre o conhecimento da Bíblia,
sendo este o seu desígnio principal” (NASCIMENTO & BERTINATTI, 1992, pp.
98, 103). O artigo cientifico cujo tema é “A Influência da Educação Calvinista
na Formação da Professora Ivete Alves Sacramento”, destaca através da fala da
referida educadora o valor da escola dominical presbiteriana em sua formação:
“Você vê a riqueza intelectual que a escola dominical traz para um cidadão.
Então eu tive essa influência dessa escola dominical em que você também tinha
que preparar seu assunto e apresentar oralmente para outros pares na sua
adolescência. Imagine a riqueza de formação intelectual que se tem fora da
escola formal, então a escola dominical levava para a escola formal indiretamente
o conhecimento de forma multidisciplinar” (LORDÊLO, 2014, p. 12).
Outro aspecto importante destacado por Perrucci na
continuidade dos valores religiosos nas famílias dos protestantes é “a
oportunidade de estudo em escola evangélica”. Um dos fenômenos religiosos que
revolucionou a educação na Europa a partir do século XVI, foi à visão que os
reformadores tiveram da necessidade de educar o povo, de onde surgiu a ideia de
que ao lado de cada igreja deveria se instituir uma escola. Este projeto tomou
forma inicialmente com o reformador francês, João Calvino que: “Também era um
humanista e um “scholar” antes de se tornar um reformador. A tradição humanista
do século XVI imprimiu uma marca indelével sobre todo o futuro da tradição
reformada. Em todos os lugares em que a comunidade reformada se estabeleceu,
surgiram escolas ao lado dos templos não somente para o ensino da Bíblia ou
para ensinar a ler a Bíblia e outras habilidades relacionadas com o seu estudo,
mas também todo elenco das artes liberais, para libertar o espirito humano
[...] a academia de Genebra era, em muitos aspectos, a coroação do trabalho de
Calvino na cidade” (LEITH, 1996, p. 123-124, apud GREGGERSEN, 2002, p. 65).
No Brasil a chegada dos primeiros missionários
protestantes, foi marcada pela herança herdada da primeira geração de
reformadores, que disseminaram a ideia de que ao lado de cada igreja, deveria
se estabelecer uma escola. Este projeto tornou-se realidade entre os
presbiterianos brasileiros com a implantação da Escola Americana, que
posteriormente tornou-se o Mackenzie College: “Os presbiterianos
norte-americanos começaram a organizar escolas protestantes no Brasil a partir
de 1870, fundando em São Paulo a Escola Americana, futuro Mackenzie College
[...] A Escola Americana oferecia os cursos primário, secundário e superior
científico. Posteriormente, o Mackenzie College seria a escola modelo da missão
presbiteriana, utilizando os métodos, os livros didáticos traduzidos e a
organização similar aos das escolas públicas de Nova Iorque. Na escola primária
anexa ao Mackenzie College, conhecida como Escola Americana, os futuros
professores praticavam o novo método de ensino, que se propunha a ser
‘concreto, racional e ativo, denominado ensino pelo aspecto, lições de coisas
ou ensino intuitivo’, ou seja, aliar a observação e o trabalho numa mesma
atividade” (NASCIMENTO & BERTINATTI, 1992, pp. 98-99, Apud, NASCIMENTO,
2008, p. 6, 12, 13).
A história das missões protestantes no Brasil, ainda indica
o valor do culto doméstico como argamassa para a solidificação espiritual da
família da fé. Foi através de um desses cultos, que José Manoel da Conceição,
um sacerdote católico romano, foi atraído a Jesus, tornando-se o primeiro
ministro presbiteriano nascido no Brasil. A Confissão de Fé de Westminster, no
capítulo XXI, seção VI sinaliza o valor do culto em família: “Agora, sob o
Evangelho, nem a oração, nem qualquer outra parte do culto religioso se
restringe ou se faz mais aceitável a um certo lugar em que se ofereça ou para o
qual se dirija; mas Deus deve ser adorado em todo lugar em espírito e em
verdade; tanto em família, diariamente e em secreto, estando cada um sozinho”.
Dentre outros ensinos, esta seção, enfatiza que uma das formas pelas quais
podemos adorar a Deus é através do culto doméstico, verdadeiro alimento para
preservação da identidade religiosa do povo de Deus.
O que está acontecendo com os nossos jovens? Onde temos
falhado? Perdemos a visão dos nossos pais? Esquecemos o valor da ideologia
preconizada pela primeira geração de reformadores onde a eficácia da educação
formal se concretizou através da extraescolar? Relativizamos o valor da escola
dominical, reduzindo-a a um discurso superficial, subjetivo e relativista? E
quanto ao culto doméstico, perdemos a visão dos seus benefícios? Obviamente,
nem todos desfrutam de todas os recursos aqui apresentados contra o fenômeno
dos desigrejados, no entanto, o meios que estão disponibilizados devem ser
utilizados da forma mais excelente, a fim de preservar a identidade religiosa
do povo da aliança.
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